Rosileidi Florisbela dos Santos rumava ao cartório, decidida a mudar seu nome. De fato, só faltava assinar os papéis para consumar seu objetivo: daquele dia em diante seria apenas Rosi dos Santos. Em seu carro, enquanto parava de semáforo em semáforo, repassava seus motivos a fim de que não restassem dúvidas em relação a essa decisão.
Rosileidi, que nome esdrúxulo... motivo de brigas e discussões sem fim com sua mãe, Marealva. – Seu nome também é ridículo, minha mãe! Será que esta é uma maldição de família?
A mãe dava de ombros e dizia que gostava do nome. Era apaixonada por flores e sempre havia sustentado a filha com sua floricultura. – Seu nome é uma a homenagem, escolhido com muito amor. Inclusive, são as flores que bancaram seus estudos! Rosileidi, a dama das rosas. Florisbela, das flores a mais bela. Minha filha, será que você não entende?
Ela era professora de literatura e astróloga, enquanto a mãe mal havia concluído o ginásio. Quantas vezes sentiu vergonha dos colegas de escola, quando iam estudar em sua casa e reparavam no mau gosto, na cafonice dos objetos de decoração, dos móveis, das roupas absurdas de sua mãe? Ela evitava a qualquer custo sair com aquela mulher que fazia questão de chamar atenção com seu jeito espalhafatoso.
Considerava-se o contrário da mãe. Era discreta, sóbria, cultivava uma imagem de seriedade e competência profissional. Sua mãe era ousada, falava alto, gostava de usar roupas coloridas, com estampas florais. Flores! Que mania absurda e irritante de flores. Pra complicar, desde pequena Rosileidi desenvolveu alergia a rosas. Era só entrar na floricultura da mãe que o corpo ficava todo empipocado.
E quantos apelidos e trocadilhos seus colegas de escola já haviam criado com seu nome? Rosilady Di, Alergileidi, Rosiflores Leidibela, Rosibela Leidiflores... a lista é extensa. Bastava se lembrar dos colegas rindo e caçoando de seu nome para que ela tivesse certeza do que estava prestes a fazer. Rosileidi com o rosto vermelho de raiva, lágrimas escorrendo dos olhos, acelerava o carro com ainda mais convicção.
A astrologia a ajudou a compreender um pouco sua situação. A mãe era do signo de Aquário com ascendente em Leão, Urano na sétima casa em quadratura com Mercúrio. Essa era a razão do seu mau gosto: faltava-lhe cultura e estudo. Queria ser diferente e original, mas não sabia muito bem como. O pai era ausente - um comerciante que saiu de viagem e nunca mais voltou.
Já Rosi (era assim que gostava de ser chamada, apenas Rosi) era Virgem com ascendente em Câncer. Saturno na primeira casa em quadratura com Quíron na quarta casa. Era reservada, crítica. Principalmente auto-crítica. Cobrava-se nada menos do que a perfeição em tudo o que fizesse. Naquele dia, Urano formava oposição a Marte, trígono com Mercúrio e seu Saturno natal. Algo importante iria acontecer e era a mudança de seu nome, sua identidade, consequentemente, sua imagem e auto-estima.
O celular tocou, Rosi encostou o carro para atender. Nunca deixava de atender qualquer chamada, vivia para o trabalho. Mas para sua surpresa, era uma ligação do hospital. Avisavam que sua mãe havia sofrido um acidente de carro e se encontrava em estado grave. Realmente, algo importante acontecia. Rosi teve que se desviar de seu rumo e correr pro hospital.
A primeira reação foi pensar: - Mas que diacho, será que minha mãe planejou tudo isso só pra que eu não pudesse mudar meu nome? Depois censurou a si mesma. Rosi, por favor, tenha coração... sua mulher fria e desnaturada!
Já no hospital a mãe parecia bem, mas trazia uma tristeza profunda nos olhos. Uma tristeza que Rosi jamais viu. A notícia: seu fígado havia se partido em três pedaços com a batida do carro, suas horas estavam contadas. Ainda bem que podiam se despedir.
- Rosi, minha filha querida, me desculpe, eu sempre quis te ver feliz. Mas acho que você nunca me compreendeu, ou eu nunca soube fazer as coisas do seu jeito. Somos muito diferentes, mas eu te amo. Nunca se esqueça disso. Filha, eu não tenho medo de morrer. Tenho a consciência tranqüila, vou seguir meu rumo em paz e tenho certeza que você pode cuidar muito bem da sua vida. Seja feliz, minha querida. E mais uma vez, me perdoe. Mesmo porquê, eu já me perdoei.
- Minha mãe, não! Por favor! Eu não sei o que dizer, não sei o que pensar. Meu Deus, por que, assim de repente?
Parecia que a mãe estava apenas esperando Rosi chegar pra se despedir. Enquanto a filha balbuciava palavras agarrada à sua mão, fechou os olhos e partiu. Rosi chorou com toda a dor do seu coração. Ficou ali, abraçada à sua mãe. Enquanto a olhava morta, na sua frente, percebia tudo. Percebeu que sempre teve inveja da mãe. De seu temperamento leve, alegre, de sua despreocupação com a opinião dos outros. Rosi queria ser desprendida como ela. Queria ser decidida, simples, alegre e forte como ela. Percebeu quanto a amava e o quanto tinha sido tola por toda a vida.
- Mãe, minha mãe querida, sou eu é que peço desculpas. Por favor, me perdoe por nunca aceitar que no fundo você tem as qualidades que eu sempre quis ter. Em vez de te admirar, eu sentia vergonha de você. Como fui tola!
Desceu até a floricultura do hospital. Comprou uma dúzia de rosas vermelhas para colocar ao lado da mãe. Última homenagem, símbolo de seu perdão. A essa altura, qualquer alergia a qualquer flor já tinha sido curada. Como sua mãe sempre havia lhe ensinado, decidiu que não iria mais se cobrar tanto, que iria aceitar ser Rosileidi Florisbela. Só que a partir daquele dia, nunca mais foi a mesma.
Rosileidi, que nome esdrúxulo... motivo de brigas e discussões sem fim com sua mãe, Marealva. – Seu nome também é ridículo, minha mãe! Será que esta é uma maldição de família?
A mãe dava de ombros e dizia que gostava do nome. Era apaixonada por flores e sempre havia sustentado a filha com sua floricultura. – Seu nome é uma a homenagem, escolhido com muito amor. Inclusive, são as flores que bancaram seus estudos! Rosileidi, a dama das rosas. Florisbela, das flores a mais bela. Minha filha, será que você não entende?
Ela era professora de literatura e astróloga, enquanto a mãe mal havia concluído o ginásio. Quantas vezes sentiu vergonha dos colegas de escola, quando iam estudar em sua casa e reparavam no mau gosto, na cafonice dos objetos de decoração, dos móveis, das roupas absurdas de sua mãe? Ela evitava a qualquer custo sair com aquela mulher que fazia questão de chamar atenção com seu jeito espalhafatoso.
Considerava-se o contrário da mãe. Era discreta, sóbria, cultivava uma imagem de seriedade e competência profissional. Sua mãe era ousada, falava alto, gostava de usar roupas coloridas, com estampas florais. Flores! Que mania absurda e irritante de flores. Pra complicar, desde pequena Rosileidi desenvolveu alergia a rosas. Era só entrar na floricultura da mãe que o corpo ficava todo empipocado.
E quantos apelidos e trocadilhos seus colegas de escola já haviam criado com seu nome? Rosilady Di, Alergileidi, Rosiflores Leidibela, Rosibela Leidiflores... a lista é extensa. Bastava se lembrar dos colegas rindo e caçoando de seu nome para que ela tivesse certeza do que estava prestes a fazer. Rosileidi com o rosto vermelho de raiva, lágrimas escorrendo dos olhos, acelerava o carro com ainda mais convicção.
A astrologia a ajudou a compreender um pouco sua situação. A mãe era do signo de Aquário com ascendente em Leão, Urano na sétima casa em quadratura com Mercúrio. Essa era a razão do seu mau gosto: faltava-lhe cultura e estudo. Queria ser diferente e original, mas não sabia muito bem como. O pai era ausente - um comerciante que saiu de viagem e nunca mais voltou.
Já Rosi (era assim que gostava de ser chamada, apenas Rosi) era Virgem com ascendente em Câncer. Saturno na primeira casa em quadratura com Quíron na quarta casa. Era reservada, crítica. Principalmente auto-crítica. Cobrava-se nada menos do que a perfeição em tudo o que fizesse. Naquele dia, Urano formava oposição a Marte, trígono com Mercúrio e seu Saturno natal. Algo importante iria acontecer e era a mudança de seu nome, sua identidade, consequentemente, sua imagem e auto-estima.
O celular tocou, Rosi encostou o carro para atender. Nunca deixava de atender qualquer chamada, vivia para o trabalho. Mas para sua surpresa, era uma ligação do hospital. Avisavam que sua mãe havia sofrido um acidente de carro e se encontrava em estado grave. Realmente, algo importante acontecia. Rosi teve que se desviar de seu rumo e correr pro hospital.
A primeira reação foi pensar: - Mas que diacho, será que minha mãe planejou tudo isso só pra que eu não pudesse mudar meu nome? Depois censurou a si mesma. Rosi, por favor, tenha coração... sua mulher fria e desnaturada!
Já no hospital a mãe parecia bem, mas trazia uma tristeza profunda nos olhos. Uma tristeza que Rosi jamais viu. A notícia: seu fígado havia se partido em três pedaços com a batida do carro, suas horas estavam contadas. Ainda bem que podiam se despedir.
- Rosi, minha filha querida, me desculpe, eu sempre quis te ver feliz. Mas acho que você nunca me compreendeu, ou eu nunca soube fazer as coisas do seu jeito. Somos muito diferentes, mas eu te amo. Nunca se esqueça disso. Filha, eu não tenho medo de morrer. Tenho a consciência tranqüila, vou seguir meu rumo em paz e tenho certeza que você pode cuidar muito bem da sua vida. Seja feliz, minha querida. E mais uma vez, me perdoe. Mesmo porquê, eu já me perdoei.
- Minha mãe, não! Por favor! Eu não sei o que dizer, não sei o que pensar. Meu Deus, por que, assim de repente?
Parecia que a mãe estava apenas esperando Rosi chegar pra se despedir. Enquanto a filha balbuciava palavras agarrada à sua mão, fechou os olhos e partiu. Rosi chorou com toda a dor do seu coração. Ficou ali, abraçada à sua mãe. Enquanto a olhava morta, na sua frente, percebia tudo. Percebeu que sempre teve inveja da mãe. De seu temperamento leve, alegre, de sua despreocupação com a opinião dos outros. Rosi queria ser desprendida como ela. Queria ser decidida, simples, alegre e forte como ela. Percebeu quanto a amava e o quanto tinha sido tola por toda a vida.
- Mãe, minha mãe querida, sou eu é que peço desculpas. Por favor, me perdoe por nunca aceitar que no fundo você tem as qualidades que eu sempre quis ter. Em vez de te admirar, eu sentia vergonha de você. Como fui tola!
Desceu até a floricultura do hospital. Comprou uma dúzia de rosas vermelhas para colocar ao lado da mãe. Última homenagem, símbolo de seu perdão. A essa altura, qualquer alergia a qualquer flor já tinha sido curada. Como sua mãe sempre havia lhe ensinado, decidiu que não iria mais se cobrar tanto, que iria aceitar ser Rosileidi Florisbela. Só que a partir daquele dia, nunca mais foi a mesma.
22 comentários:
Que lindo isso, Marcelo!!!
Me vi nesse texto...rsrsrs
Canceriana, com a Lua em Virgem....
Chorei, claro!!
Que linda historia, mas alguma coisa tem de real nela, pois muita gente se enquadra nela, não é o meu caso pois o meu nome é esquisito, mas sempre procurei gostar dele, pois já li em metafísica que somos nós mesmos que escolhemos os nosso nomes, nós é que damos intuição aos nossos pais, quem estuda numerologia sabe, que cada letra tem uma vibração, é com ela que temos que nos afinar e viver em sintonia, eu não sou a favor de trocar o nome de nascimento desde que estudei e me aprofundei neste assunto, este é somente o meu parecer não precisa ser o seu!!!grata Marcelo por nos colocar estes textos servem como reflexão, como sempre voce é genuino.....JO
Jo, tudo o que disse é muito verdadeiro. Concordo plenamente!
Anônimo, sabe que eu tb chorei quando escrevi?
Fico feliz que gostaram!
bjos
E eu que implicava que meu nome era grande demais pra uma mulher tão "pequena", acabei um dia descobrindo que eu me escondia de mim mesma, e a "pequena Leninha" cresceu. Amo meu nome. Foi escolhido por meu pai que em sua simplicidade disse no cartório "ah, vai com E mesmo!!!" Escolheu Elena inspirado no filme, e me ensinou a trazer a guerreira de volta. Talvez com H eu não seria a Elena - mulher com E maiúsculo que sou hoje.
Sabe que fiquei toda arrepiada Marcelo!
Linda lição de vida!!!
Apenas isso...estou muito emocionada para escrever...
Um beijo agradecido de coração.
Astrid Annabelle
Ah, Marcelo,
chorei tb(até parece novidade né)!
Que história linda!
Bjs.
Lindo conto, querido! Adoro estes teus escritos. Delicados, engraçados e profundos.
beijocas
Elena, que belo depoimento!!! Eu também gosto do seu nome sem H, é mais forte e original. É você!!!
Astrid, essa história foi intuída... eu tb me emociono muito. Serve pra ilustrar que a verdadeira cura é feita de compreensão, aceitação e perdão.
Fátima, ótimo elogio. Sinal de que gostou!!!
bjos pra vcs!!!
Dani, a história começa engraçada e depois vai ficando trágica né?
Sua opinião é muito importante.
bjos
Marcelo
vês o que quis dizer sobre não teres receio de experimentar nada. Além da lição de vida que escreveste eu vejo uma lição de astrologia, obrigada!
Espero por mais contos assim, astrológicos para perceber ainda mais sobre este tema apaixonante :)
Maravilhoso
Olá, Marcelo!
Achei interessante o texto! Causou-me surpresa o seu desenrolar...!
Obrigado pelas indicações! Aquele site parece ser bom mesmo: existem até 'seções' para iniciantes!
O prazer também é meu, seja sempre bem-vindo ao meu blog!
Até mais!
Alexandre: Esta não era a intenção inicial, mas penso que ficou bom assim. Eu é que agradeço por seu elogio!
Shin: vc acertou na mosca: esta é uma série de contos astrológicos que pretendo desenvolver. Aguardo novas inspirações!!! :)
Lampião: é um prazer poder compartilhar!!!!
grato pelo carinho de todos!!!
Linda história, Marcelo. Tem coisas que a gente demora para ver e reconhecer, principalmente as ligadas aos pais da gente.
beijos
Olá Marcelo:
O pior sentimento que uma filha pode nutrir é ter vergonha dos pais,
Vai pesar para sempre não só no seu coração, quando a ficha cair que foi o caso da Florisbela, como também aumentar seu carma. Amor de mãe tudo perdoa, mas mesmo assim o remorso ficará para sempre, e nunca esquecerá de como poderia ter sido mais feliz, e tornado sua mãe também mais feliz, pois quando se dá amor incondicional a felicidade vem farta.
Mas seu texto muito verdadeiro e contundente me emocionou.
Bjs. Léah
Marcelo
Li com gosto e arrepio na pele, ainda por cima por usar a astrologia com tanta maestria e simplicidade. A qualidade do conto é excelente e é mais que isso, pois é uma lição e aprendizagem de vida.
Abraço.
Antonio, meu querido!!!
Aguardava sua opinião, que prezo muito. Vamos ver se me vem mais inspiração para contos desse tipo. Espero que sim!!! :)
abraço
lindissimo texto! acho que todos nos identificamos com alguma coisa nele, e pela mesma razão, todos também tiramos uma lição!
Concordo com o que disseram acima "O pior sentimento que uma filha pode nutrir é ter vergonha dos pais (...) Amor de mãe tudo perdoa, mas mesmo assim o remorso ficará para sempre"
Tha, também concordo. Fico muito feliz que tenha gostado!!!!
bjos
Adoro seus contos, chorei com esse, lindo!
Beijinhos,
Nancy
Impressionante e lindo. Comovente. Belo texto, Marcelo.
Antonio: Gratissimo, querido amigo! Quero ter inspiração pra escrever mais textos como este! :)
abraço
Nem preciso falar que chorei com a história.
Existe uma coisa mágica que acontece quando tiramos a venda da distorção e podemos nos permitir a ver toda a beleza e amor que existe pelos cantos.
A beleza em uma Marealva, a beleza em uma Rosileidi...
Únicas e especiais à sua maneira.
Belíssimo conto, Marcelo! Sempre iluminando corações!
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