terça-feira, 2 de junho de 2009
O AMOR ROMÂNTICO
Ana Claudia Nogueira é uma neurocirurgiã que não acreditava no amor romântico. Alma gêmea? Baboseira, dizia ela. Culpava a indústria do cinema e as novelas por incutir na cabeça das pessoas essa ideia de um amor ideal e mágico.
Seus poucos amigos a criticavam. Muito cética pra uma mulher bonita e de trinta e poucos anos. Um desperdício, viviam repetindo. Mas os namorados de cabeça oca que teve só serviram pra reforçar a crença de que o amor não existe. Não, inconcebível pra ela era se tornar uma esposa dedicada a cuidar de um marido e da vida doméstica. Medíocre demais!
Em compensação sua vida profissional ia de vento em popa. Dedicava toda sua inteligência e energia à promissora carreira, era muito respeitada no hospital Albert Eisten onde já era chefe da equipe de neurocirurgia. Pra ela o cérebro era a coisa mais fascinante do mundo, passava os dias operando aneurismas, tumores, traumas cranianos e afins. Esse trabalho valia mais do que qualquer coisa, uma verdadeira mania. Quanta felicidade sentia quando conseguia salvar uma vida! Existe realização maior?
Enfim, uma mulher prática e decidida. Sabia o que queria na vida e se orgulhava disso. Estava inclusive de viagem marcada no ano seguinte pra uma pós-graduação em Boston, com um dos maiores especialistas do mundo.
Com tamanha dedicação e responsabilidade, se permitia uma balada de vez em quando pra espairecer e relaxar. Adorava tomar uma taça de champanhe e dançar no seu club preferido às sextas feiras, enquanto recapitulava os momentos de maior precisão e sangue frio em suas cirurgias da semana, os momentos mais arriscados. Quando fechava os olhos no meio da pista ao som de uma boa house music, manchas de luzes se misturavam com a imagem de bisturis, sangue e massas encefálicas. Até pra se divertir Ana Cláudia era solitária, mas pra ela isso não era problema. Uma troca de beijos, um sexo casual com homens-objeto era tudo o que sua praticidade permitia.
Um belo dia tudo foi diferente. Depois de uma semana exaustiva de trabalho, quando a galera ia ao delírio, batia palmas e saldava o DJ, Ana Cláudia percebeu um rapaz que a olhava fixamente lá do outro lado da pista. Encantou-se de imediato com seu sorriso. Afinal, não tinha como não se encantar por aquele sorriso doce, luminoso e sincero. Sorriu também e ficaram um bom tempo se olhando nos olhos. Tão hipnotizada estava Ana Cláudia por aqueles olhos verdes, aquele jeito gostoso de dançar, que o tempo parou. De repente não existia mais ninguém em volta, só aquele homem charmoso que vinha em sua direção. Isso tudo é tão clichê… pensava. Continuaram dançando, sorrindo e se olhando, só que de perto agora. A música era maravilhosa. De repente o rapaz tomou a iniciativa:
- Qual seu nome? Perguntou.
- Ana Claudia, e o seu?
- Felipe. Muito prazer, Ana Claudia.
Ao ouvir o som de seu nome naquela voz grave e pronunciado por aquela boca carnuda, ela não resistiu. Tascou-lhe um beijo daqueles.
Sim, meus amigos, foi o beijo mais molhado e gostoso da vida de nossa protagonista. Depois de horas se beijando no meio da pista, o rapaz convidou-a pra tomar um champanhe juntos.
- Champanhe é minha bebida predileta! Ela disse.
Foi quando caiu a ficha em Ana Claudia: Não, isso é ridículo. Eu que sempre critiquei comédias românticas, nunca dei bola pro sentimentalismo piegas das minhas amigas, ficar encantada por alguém que conheci numa casa noturna, a ponto de achar que pode ser o homem da minha vida? Eu não acredito em amor, quanto mais à primeira vista! Daqui a pouco ele vai dizer ou fazer algo desagradável e tudo voltará a ser como era antes. Mas isso não aconteceu. Ao brindarem suas taças de champanhe no bar Ana Cláudia perguntou:
- Está sozinho?
Felipe respondeu que agora sim, seus antigos amigos da faculdade já tinham ido embora.
- Faculdade de quê você fez? (Pronto, é agora que ele vai dizer advocacia, marketing, comércio exterior, ou qualquer outra profissão desinteressante e estragar tudo).
- Medicina, sou médico psiquiatra.
A partir dessa resposta não pararam mais de conversar, isso quando não estavam se beijando, claro. Uma neurocirurgiã e um psiquiatra: quer encontro mais perfeito e improvável num clube underground de São Paulo?
Quando se deram conta estava amanhecendo. Mais uma coincidência, moravam no mesmo bairro, Perdizes. Ana Claudia se viu louca de desejo por aquele homem, mas ele a convidou pra um jantar no dia seguinte dizendo que um encontro tão perfeito não poderia ser maculado pelo sexo na primeira noite. Ele queria conhecê-la melhor.
E foi assim que Ana Claudia passou o sábado pensando no rapaz, mal conseguindo disfarçar a ansiedade pelo novo encontro. Foi ao cabeleireiro, comprou um vestido novo, mas tomou o cuidado de esconder de todos suas intenções, tão envergonhada que estava de sua própria excitação. Sentia-se uma boba e ao mesmo tempo era bom, porque era diferente de tudo o que já sentira antes. Continuava pensando: vou aproveitar esses momentos até que a realidade desfaça essa tola ilusão. Claro que se trata de uma aventura passageira.
No jantar Felipe demonstrou ser um perfeito cavalheiro, além do que estava lindo com aquela camisa azul. Seu senso de humor a fez ficar à vontade, tão à vontade que ela o convidou pra mais um drink em seu apartamento. Para desapontamento de Ana Claudia, o sexo foi maravilhoso, com tudo o que se tem direito - química, cheiro, aquele sentimento de familiaridade.
Pra encurtar a história: Passaram a se ver quase todos os dias e quanto mais Ana Claudia duvidava e buscava alguma imperfeição no rapaz, mais ele a surpreendia com suas qualidades, inclusive a mais importante de todas nesse caso: inteligência. Felipe conseguiu provar que era possível cumplicidade numa parceria amorosa. Já não tinha mais jeito, Ana Claudia estava perdidamente apaixonada e não conseguia se concentrar como antes no trabalho. Não vou dizer que o casal viveu feliz para sempre. Mas digo que Ana Claudia desmarcou sua pós-graduação em Boston, o que no seu caso já representa grande coisa.
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17 comentários:
Muito empolgante este conto, fui lendo, lendo doida de curiosa pelo final! Bacana, verdadeiro e atual. Nós mulheres...
Bjs
hehehehe mas acho q os homens são um pouco assim tb, não? bjo querida
Bonito conto Marcelo!
Tolo daquele que não acredita no amor.
Com relação ao post lá em casa sobre dicas de leitura o escritor africano que vc falou é o Mia Couto né?
Bjs.
Parabéns pelo conto,Marcelo.Adorei o modo como você desenvolveu a história(num crescendo),e o final.Escreva mais contos.seus leitores agradecem.Abração.
Adorei o conto. Continue escrevendo. Parabéns
Oba!!! escrevo sim queridão, pode deixar. Tem outros contos no blog, se vc se interessar, clique no marcador: contos! Abraço, fico feliz q gostou.
ah eu não disse...rs
o amor quer ser meu querido...ele quer existir..., dá a volta, pula o muro , inventa um jeito e puft...rs , se tivessemos olhos celestiais poderíamos ver cupido curtindo uma dance music....rs
Demais...adorei o conto!
E toda a polivalência do autor...rs
beijo grande!
Oi, Marcelo. Td bem?
Sempre visito seu blog, mas é a primeira vez que deixo uma mensagem.
Adorei a história, o desenrolar... tudo. Quem hoje não procura um amor romântico?
VocÊ fez a pergunta no post anterior e agora deu a resposta.
Nós mulheres, realmente complicadas...
Um abraço
Você só pode ser um romântico. Todos temos direito a um amor assim como o da protagonista do conto. Pensando na minha longa vida, com alguns amores, só consigo me lembrar hoje, com nitidez, de um amor assim e faz tempo... uns 35 anos atrás. :)))
Belo conto, muito bem escrito.
Oi Marcelo, adorei, como a Kyria disse, fui lendo, lendo...rs....conheço algo parecido na vida de uma pessoa...rs, uma pena que não tenha tido um final assim, feliz...mas como disse, ainda acredito no "Que seja eterno, enquanto dure...", o mais gostoso de uma relação é isso....se descobrir a cada dia.
Bjo pra ti
Marcelo,
Gostei muito deste conto!
Tenho um selo no meu blog para si. Quando puder e quiser pode passar e levar http://dialogosastrais.blogspot.com/
Marcelo
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Rapaz bonitão de olhos verdes... sei....
Comigo está acontecendo o oposto acredita?
O conto é bacana sim sem dúvida, mas estou indo para o caminho oposto... Acho que vou para Boston.... hahahahahaha....
Mas não por achar o amor romântico, casamento e filhos uma vida medíocre, não muito pelo contrário, mas porque... sei lá...
Abraço!
Eu acredito no amor-romântico!
Lindo o conto Marcelo, adorei!
Beijo grande!
Li
Muito bom o conto Marcelo...mas eu acho que ela devia fazer a pós graduação em Boston na mesma :) Se é amor, então o amor espera e não se apaga com a distância provisória :)
Querido, adorei o conto!!!
Hoje sou Romantica assumidissima! Há um tempo atrás estava descrente do amor... depois que vivi uma situação muito parecida com a do seu conto comecei a reacreditar.... me vi no seu conto...
Gratidão!
Bjoss
Eba, fico feliz que gostaram!!!!
A Siala conseguiu ser mais pragmática do que Cláudia. rsrsrs
Mas se ela fosse pra Boston mesmo assim, o final do meu conto perderia efeito!!:)))
bjosssssssss
A-D-O-R-E-I😍
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